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Proposta de tornar autoescolas facultativas preocupa especialistas e pode ampliar risco nas estradas

Ministério dos Transportes defende flexibilização para reduzir custos, mas medida não prevê salvaguardas e vai na contramão de padrões internacionais de segurança viária, avalia o advogado Noel Axcar

A proposta do Ministério dos Transportes de tornar facultativa a frequência nos Centros de Formação de Condutores (CFCs) acendeu o alerta entre especialistas em segurança viária. A justificativa do governo é que as autoescolas burocratizam o processo e encarecem a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), mantendo cerca de 20 milhões de brasileiros na informalidade.

No entanto, para o advogado Noel Axcar, especialista em Direito Empresarial e Direito do Estado, usar a informalidade como argumento para flexibilizar a lei é um equívoco. “Há pessoas que não registram seus filhos, mas isso não significa que a lei de registro civil deva ser revogada”, exemplifica. Para ele, o caminho para reduzir custos passa por aperfeiçoar o sistema, e não por desestruturá-lo, garantindo que a qualidade do ensino e a segurança nas vias sejam preservadas.

O Brasil é signatário de convenções internacionais que determinam padrões de sinalização, qualificação de condutores e redução de acidentes. Em países como Alemanha, França, Portugal e Espanha, a formação obrigatória em centros de treinamento é considerada essencial. Onde a obrigatoriedade foi retirada, como na Austrália, surgiram contrapartidas rigorosas: processo de habilitação em etapas, restrições severas e provas mais complexas. Na China, o índice de reprovação é altíssimo, com exigência mínima de 90% de acertos na prova teórica.

Segundo Axcar, a proposta brasileira não apresenta mecanismos equivalentes. A possibilidade de instrutores independentes formarem condutores, sem regras claras de credenciamento, uso de veículos adaptados ou vistorias periódicas, criaria um vácuo de fiscalização. Isso, na prática, abriria espaço para aulas clandestinas e formação precária de motoristas.

Hoje, os CFCs cumprem exigências estruturais e pedagógicas previstas pela Resolução 789/2020 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), incluindo carga mínima de 20 horas-aula práticas para categoria B e 20 para categoria A, além de instrutores e diretores com formação específica. Retirar esse filtro sem endurecer o exame prático e teórico pode comprometer diretamente a segurança no trânsito.

Há propostas viáveis para baratear a CNH sem desmontar o sistema. Uma delas é permitir que candidatos com conhecimento prévio escolham pacotes de 5 a 20 horas-aula, reduzindo até 70% do valor final e mantendo o treinamento básico em direção defensiva, legislação, meio ambiente e primeiros socorros. Outras medidas incluem isenção de IPVA para veículos de autoescolas, flexibilização do rodízio em grandes cidades, revisão de encargos trabalhistas e eliminação de exigências onerosas que chegaram a custar R$ 45 mil.

De acordo com o Observatório Nacional de Segurança Viária, o Brasil registra cerca de 90 mortes por dia em acidentes de trânsito. Para Axcar, desmontar o sistema de formação sem criar mecanismos mais rigorosos de capacitação contraria o dever constitucional de preservar vidas.

Além dos impactos na segurança, a eliminação dos CFCs poderia gerar elevado desemprego e fechar empresas que investiram todo o seu patrimônio no setor, reduzindo ainda a arrecadação de ISS e afetando a cadeia automotiva com a queda na compra de veículos para instrução.

“Modernizar e ajustar o sistema, sim; fragilizá-lo, jamais”, conclui Axcar.