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Não Crie Filhos para Serem Empregados: A Urgência de Formar uma Geração Empreendedora

O roteiro tradicional que guiou gerações de pais, quase como um mantra sagrado, está irremediavelmente obsoleto.

Aquele que ditava: “estude muito, tire as melhores notas, entre em uma boa faculdade, consiga um emprego estável em uma grande empresa e se aposente com segurança”. Esse caminho, que já foi o porto seguro e o sonho de consumo da classe média, hoje se assemelha mais a uma trilha incerta em um terreno movediço e imprevisível. Em um mundo onde a inteligência artificial, a automação e as mudanças exponenciais ditam as regras, a estabilidade se tornou uma ilusão. A verdadeira segurança, o ativo mais valioso do século XXI, não está mais em ter um emprego, mas sim em ser capaz de criar um, de gerar valor e de se reinventar constantemente.

É por isso que a missão mais urgente e transformadora da nossa geração de pais não é preparar nossos filhos para o mercado de trabalho que conhecemos, mas sim para a vida empreendedora. E aqui, é crucial fazer uma distinção fundamental: não estou falando de criar uma legião de “mini-CEOs” obcecados por lucro ou de forçar crianças a abrir startups antes dos dez anos, roubando-lhes a infância. Falo de algo muito mais profundo e essencial: cultivar, desde os primeiros anos de vida, a mentalidade empreendedora. Uma mentalidade que é um verdadeiro superpoder, transformando crianças em adultos mais espertos, resilientes, “desenrolados” e, acima de tudo, protagonistas convictos do próprio futuro.

Empreendedorismo na infância não tem a ver com planilhas de Excel ou discursos de elevador. É sobre ensinar a habilidade mais fundamental de todas: a resolução de problemas. É a troca consciente do “isso não é da sua conta” ou “deixe que o adulto resolve” pelo estimulante “o que você faria para consertar isso?”. É incentivar a curiosidade insaciável em vez de apenas fornecer respostas prontas e mastigadas. Quando uma criança se depara com um brinquedo quebrado e, em vez de jogá-lo no lixo, é estimulada a desmontá-lo, entender seu mecanismo, consertá-lo ou criar algo completamente novo com as peças, ela está tendo sua primeira, e talvez mais importante, aula de inovação e engenharia reversa.

Quando incentivamos nossos filhos a organizar uma venda de garagem com os brinquedos que não usam mais, a montar uma barraquinha de limonada na frente de casa ou a vender brigadeiros na festa da família, não estamos apenas ensinando sobre dinheiro. Essa é a camada mais superficial. Estamos, na verdade, oferecendo um curso intensivo sobre a cadeia de valor: planejamento (comprar os limões), precificação (quanto cobrar pelo copo?), marketing (fazer uma placa bonita), vendas (convencer o vizinho a comprar), atendimento ao cliente e, o mais importante, resiliência. Cada “não, obrigado” é uma lição sobre como lidar com a rejeição sem desanimar. Cada moeda recebida é a materialização do conceito de que seu esforço pode gerar valor para outra pessoa. Essas são lições práticas e emocionais que nenhuma sala de aula tradicional consegue replicar com a mesma eficácia.

A criança que aprende a lidar com a frustração de um projeto que não deu certo — o bolo que não cresceu, a invenção que desmontou — e que entende que o erro não é uma sentença de fracasso, mas um degrau crucial no aprendizado, se torna um adulto que não teme o risco calculado. Ela se torna mais “desenrolada” porque a vida já a testou em um ambiente seguro e controlado. Ela aprende a se virar, a encontrar soluções criativas com os recursos que tem à mão, a não esperar passivamente que alguém lhe diga o que fazer. Ela desenvolve, de forma orgânica, a habilidade mais valiosa do século XXI: a capacidade de aprender a aprender, de se adaptar e de evoluir.

Criar filhos com essa mentalidade é o antídoto mais potente contra a passividade e a vitimização. É formar cidadãos que não apenas consomem o mundo de forma acrítica, mas que o observam, o questionam e o constroem ativamente. Eles se tornam adultos que, ao se depararem com um problema — seja um parque abandonado no bairro, um processo ineficiente no trabalho ou uma necessidade não atendida na sociedade —, não perguntam “quem vai resolver isso?”, mas instintivamente pensam “como eu posso resolver isso?“. Essa proatividade, essa autoeficácia, é a essência mais pura do espírito empreendedor.

Claro, sejamos realistas: nem todos serão fundadores de empresas bilionárias. E nem precisam ser. O objetivo não é criar um exército de Elon Musks. A mentalidade empreendedora é um ativo universal, valioso em qualquer carreira ou vocação. O médico que busca formas inovadoras de humanizar o atendimento, o advogado que cria um novo modelo de serviço jurídico mais acessível, o funcionário público que redesenha um processo para servir melhor ao cidadão, o professor que desenvolve um método de ensino mais engajador — todos são, em sua essência, empreendedores. Eles são os profissionais que se destacam, que lideram, que inovam e que, fundamentalmente, não se tornam obsoletos, pois estão em um estado de constante reinvenção.

Portanto, o convite é para uma mudança de paradigma dentro de casa. Da próxima vez que seu filho tiver uma ideia que soe “maluca” ou “impossível”, resista ao impulso de descartá-la. Em vez disso, explore-a com curiosidade genuína. Pergunte “como poderíamos fazer isso funcionar?”. Da próxima vez que ele quiser vender algo, transforme isso em um projeto. Ajude-o a calcular o custo, o lucro e a pensar em como reinvestir. Incentive-o a criar, a experimentar, a falhar e, mais importante, a tentar de novo com o aprendizado adquirido. Estamos em uma era que exige muito mais do que obediência e a capacidade de repetir tarefas. Exige criatividade, pensamento crítico, coragem e autonomia.

Esqueça a velha e enferrujada cartilha do emprego seguro. O maior legado que podemos deixar para nossos filhos não é um diploma para pendurar na parede, mas sim uma mentalidade robusta que os capacite a construir suas próprias paredes, portas e janelas para o mundo. A revolução do futuro começa na educação do presente, dentro de casa. E os empreendedores que irão moldar o amanhã estão, hoje, aprendendo a amarrar os sapatos. Cabe a nós mostrar que eles podem, um dia, não apenas usar, mas desenhar, produzir e vender o sapato inteiro.